terça-feira, 23 de abril de 2013

O escritor que também entrou para história como personagem

Contemporâneo de Molière, Cyrano de Bergerac (1619-1655) nasceu em 06 de março de 1619, em Paris. Autor de sucesso em sua época, ficou também conhecido como duelista (espadachim), por seu estilo satírico, sua vida agitada e seu nariz grande, retratados em diversos filmes, peças de teatro, musicais, caricaturas, livros e ilustrações.
Vale destacar o trabalho (imagem ao lado) do casal Rébbeca Dautremer e Taï-Marc Le Thanh no livro ilustrado para crianças “Cyrano”, inspirado na vida do escritor francês.

Romance censurado e cartas inéditas no Brasil

Entre as obras mais importantes de Cyrano de Bergerac estão a peça “A Morte de Agripina” e os livros de ficção científica “História Cômica dos Estados e Impérios da Lua” (Histoire Comique des États et Empires de la Lune”) e “História Cômica dos Estados e Império do Sol”( “Histoire Comique des États et Empires du Soleil”).
“Viagem à Lua” é o título da tradução integral de “História Cômica dos Estados e Impérios da Lua” publicada pela Globo Livros.
Escrita em prosa e narrada em primeira pessoa, a obra, também conhecida como “O Outro Mundo”, foi publicada em 1657, dois anos após a morte de Cyrano, por seu amigo Henri Lebret, porém com vários fragmentos suprimidos devido à censura da época.
Em 1908, Remy de Gourmont publicou as passagens mais importantes do manuscrito que haviam sido suprimidas. O romance na íntegra, no entanto, teve que esperar até 1921 para vir a público.
A forma satírica, adotada naturalmente, situa o texto de Bergerac em diversos gêneros, ficcionais ou não, como o da literatura de viagens, da ficção científica, dos relatos utópico e do diálogo filosófico, indo do sublime ao grotesco, do lírico ao bizarro rabelaisiano.
Além do romance, o livro “Viagem à Lua” traz cartas escritas por Cyrano, até então inéditas no Brasil.
Autor: Cyrano de Bergerac
Editora: Globo
Gênero: Literatura Estrangeira/ Romance
Páginas: 232






O OUTRO MUNDO OU OS
ESTADOS E I MPÉRIOS DA L U A
ERA LUA CHEIA, o céu estava claro, e haviam soado nove horas da
noite quando voltávamos de uma casa próxima a Paris, quatro amigos e eu. Os diversos pensamentos que nos provocaram a visão
daquela bola de açafrão nos entretiveram no caminho. Com os
olhos mergulhados naquele grande astro, ora um de nós o tomava
por uma lucarna do céu, através da qual entrevíamos a glória dos
bem-aventurados, ora um outro protestava que era a platina em
que Diana prepara as voltas3
de Apolo, ora outro exclamava que
poderia perfeitamente ser o próprio Sol que, tendo à noite se despojado de seus raios, olhava através de um buraco o que se fazia no
mundo quando ele lá não mais estava.
“E eu”, disse, “que desejo misturar meu entusiasmo aos vossos, creio, sem me deter nas imaginações desabridas com que estimulai o tempo para fazê-lo avançar mais depressa, que a Lua é um
mundo como este, ao qual o nosso serve de lua.”
3. Grandes golas em moda no século XVI e início do século XVII. (N. T.)
j
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O OUTRO MUNDO OU OS
ESTADOS E I MPÉRIOS DA L U A
ERA LUA CHEIA, o céu estava claro, e haviam soado nove horas da
noite quando voltávamos de uma casa próxima a Paris, quatro amigos e eu. Os diversos pensamentos que nos provocaram a visão
daquela bola de açafrão nos entretiveram no caminho. Com os
olhos mergulhados naquele grande astro, ora um de nós o tomava
por uma lucarna do céu, através da qual entrevíamos a glória dos
bem-aventurados, ora um outro protestava que era a platina em
que Diana prepara as voltas3
de Apolo, ora outro exclamava que
poderia perfeitamente ser o próprio Sol que, tendo à noite se despojado de seus raios, olhava através de um buraco o que se fazia no
mundo quando ele lá não mais estava.
“E eu”, disse, “que desejo misturar meu entusiasmo aos vossos, creio, sem me deter nas imaginações desabridas com que estimulai o tempo para fazê-lo avançar mais depressa, que a Lua é um
mundo como este, ao qual o nosso serve de lua.”
3. Grandes golas em moda no século XVI e início do século XVII. (N. T.)
j
VIAGEM A LUA.OK 7/26/07 10:11 PM Page 17O grupo obsequiou-me com uma boa gargal
O grupo obsequiou-me com uma boa gargalhada.
“Assim, talvez”, disse-lhes, “há quem se divirta na Lua com
alguém que afirme que este nosso globo é um mundo.”
Mas aleguei em vão que Pitágoras, Epicuro, Demócrito e, em
nossa época, Copérnico e Kepler, tinham essa opinião; apenas os
fiz esganiçar-se ainda mais.
Esse pensamento, cuja ousadia divagava em meus humores,
fortalecido pela contradição, mergulhou tão profundamente em
mim que, durante o resto do caminho, permaneci carregado de mil
definições de lua, das quais não podia me libertar; e à força de
apoiar essa idéia burlesca com raciocínios sérios, quase os aceitei,
mas escuta, leitor, o milagre ou o acidente de que se serviram a
Providência ou o acaso para mo confirmar.
Estava de volta à minha casa, para descansar do passeio, acabara de entrar em meu quarto quando encontrei sobre a minha mesa
um livro aberto que eu não colocara lá. Eram as obras de Cardano;4
e embora eu não tivesse a intenção de lê-las, minha vista caiu, como
obrigada, justamente sobre uma história contada por aquele filósofo:
escreve ele que, ao estudar à noite, à luz de vela, percebeu que
haviam entrado, através das portas fechadas de seu quarto, dois
velhos altos, os quais, interrogados longamente, responderam que
eram habitantes da Lua e, tendo-o dito, desapareceram.
Permaneci tão surpreso, tanto por ver um livro que para lá fora
sozinho, quanto pela época e pela folha em que estava aberto, que
tomei todo esse encadeamento de incidentes por uma experiência
de Deus que me impelia a dar a conhecer aos homens que a Lua
é um mundo.
“Como!”, dizia comigo mesmo, “após ter, todo o dia de hoje,
falado de uma coisa, um livro, que é talvez o único no mundo em
18 Cyrano de Bergerac
4. Girolamo Cardano (1501-1576), filósofo, médico e matemático italiano. (N. T

que tal matéria é tratada, voar de minha biblioteca para a minha
mesa, tornar-se capaz de raciocinar para abrir-se justamente no
lugar de um fato tão maravilhoso, e fornecer em seguida à minha
fantasia as reflexões, e à minha vontade os desígnios que formulo!... Sem dúvida”, continuei, “os dois velhos que apareceram a esse
grande homem são os mesmos que deslocaram meu livro e que o
abriram nesta página para poupar o trabalho de repetir-me essa
arenga que fizeram a Cardano.”
“Mas”, acrescentei, “eu não poderia esclarecer esta dúvida
sem subir até lá?”
“E por que não?”, respondi logo a mim mesmo. “Prometeu foi,
efetivamente, ao céu para roubar fogo.”
A tais repentes de febre alta, sucedeu a esperança de conseguir
realizar uma tão bela viagem. Para isso encerrei-me numa casa de
campo bastante afastada onde, após ter embalado meus devaneios,
com algumas maneiras capazes de fazê-lo, eis como me lancei ao céu.
Eu fixara ao redor do meu corpo uma grande quantidade de
frascos cheios de orvalho e o calor do Sol que os atraía elevou-me
a tal altitude, que ao final encontrei-me acima das mais altas
nuvens. Mas como essa atração me fazia subir com demasiada
rapidez, e como em lugar de me aproximar da Lua, como pretendia, ela me parecia mais afastada do que à minha partida, quebrei
vários de meus frascos, até sentir que meu peso vencia a atração e
que eu descia em direção à Terra.
Minha opinião não estava errada, pois caí nela novamente
algum tempo depois e, comparando com a hora da partida, devia
ser meia-noite. Todavia, reconheci que o Sol se encontrava então
no mais alto ponto do horizonte e que era meio-dia. Podeis imaginar como me senti surpreso: evidentemente, eu o senti de maneira tão correta que, não sabendo a que atribuir tal milagre, tive a
insolência de imaginar que, por consideração para com minha
VIAGEM À L U A 19
VIAGEM A LUA.OK 7/26/07 10:11 PM Page 19ousadia, Deus ainda uma vez havia refixado o Sol nos céus, a fi


ousadia, Deus ainda uma vez havia refixado o Sol nos céus, a fim
de iluminar um tão generoso empreendimento. 
O que aumentou meu assombro foi o fato de não conhecer a
região em que me encontrava, pois que me parecia que, tendo
subido verticalmente, eu devia ter descido no mesmo lugar de
onde partira. Equipado como estava, encaminhei-me para uma
choupana em que percebi fumaça; e encontrava-me apenas à distância de um tiro de pistola quando me vi rodeado por um grande
número de selvagens. Pareceram muito surpresos ao ver-me, pois
eu era a primeira pessoa, creio, que já tinham visto vestida de garrafas. E, para destruir ainda mais todas as interpretações que
teriam podido dar a tal traje, viam que ao caminhar eu quase não
tocava o chão: assim, não sabiam que, ao primeiro impulso que eu
dava ao meu corpo, o calor dos raios do Sol me levantavam com
meu orvalho, e como meus frascos não eram mais suficientemente numerosos, eu teria podido, diante deles, elevar-me nos ares. 
Quis abordá-los, mas como se o pavor os tivesse transformado
em pássaros, um instante os viu perderem-se na floresta próxima.
Todavia, agarrei um, cujas pernas sem dúvida traíra o coração. Perguntei-lhe com muita dificuldade (pois eu estava ofegante) a que
distância estava Paris, desde quando na França as pessoas andavam completamente nuas, e por que fugiam com tanto terror. O homem a quem eu falava era um velho, cor de azeitona, que logo se
lançou aos meus joelhos e, juntando as mãos ao alto atrás da cabe-
ça, abriu a boca e fechou os olhos. Resmungou por muito tempo,
mas não discerni que não articulava, e assim tomei sua linguagem
pelo sussurro de um mudo.
Depois de algum tempo, vi chegar um grupo de soldados a
toque de caixa e notei dois que se separaram do grupo para examinar-me. Ao se encontrarem suficientemente perto para me ouvir,
Perguntei-lhe com muita dificuldade (pois eu estava ofegante) a que
distância estava Paris, desde quando na França as pessoas andavam completamente nuas, e por que fugiam com tanto terror. O homem a quem eu falava era um velho, cor de azeitona, que logo se
lançou aos meus joelhos e, juntando as mãos ao alto atrás da cabe-
ça, abriu a boca e fechou os olhos. Resmungou por muito tempo,
mas não discerni que não articulava, e assim tomei sua linguagem
pelo sussurro de um mudo.
Depois de algum tempo, vi chegar um grupo de soldados a
toque de caixa e notei dois que se separaram do grupo para examinar-me. Ao se encontrarem suficientemente perto para me ouvir,
perguntei-lhes onde estava.






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Maria, Rainha da Paz!

Maria, Rainha da Paz!
Rogai por todos nós... Mãe do mundo!

Você imaginava?


"VOCÊ IMAGINAVA ...
QUE APRENDERIA ENQUANTO ENSINAVA...
QUE DANDO RECEBERIA...
QUE BRINCANDO CONSTRUIRIA...
QUE SERIA PROFESSORA E GUIA???
VOCÊ IMAGINAVA...
QUE DEIXARIA MARCAS PROFUNDAS COM SEUS EXEMPLOS E SEUS OLHARES, TRANSFORMANDO LÁGRIMAS EM RISOS E GARGALHADAS???
VOCÊ IMAGINAVA QUE CHEGARIA ESSE DIA EM QUE SEUS ALUNOS DIRIAM AO MUNDO INTEIRO "MINHA PROFESSORA, EU TE ADORO!!"
SE CHEGOU A IMAGINAR ALGUNS DESSES MOMENTOS, COM CERTEZA, EM SEU CORAÇÃO JÁ TINHA A ESSÊNCIA DESTA LINDA PROFISSÃO!!!!
(MARIA ROSA NEGRIN)

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